Este blog está aberto para todas as colaborações, comente, critique, sugira, escreva.
Esse é um ambiente de troca, de exercício da cidadania.
Dúvidas e colaborações:provedorjesse@gmail.com

domingo, 27 de junho de 2010

A Defesa de Políticas Públicas de “Estado” em Direitos Humanos e a Transversalidade como premissa fundamental.

O objetivo deste artigo é fazer uma primeira aproximação teórica entre a Transversalidade dos direitos humanos e a relação com a defesa de políticas públicas de Estado, em contraponto as limitações das políticas de governo em direitos humanos.

É necessário distinguir políticas públicas de Estado das políticas públicas de governo.

“Essa diferenciação deve levar em conta três fatores principais: i) os objetivos da política pública; ii) a forma de elaboração, planejamento e execução da política pública; iii) a forma de financiamento da política pública. A conjugação desses fatores  é que dará a clareza para se diferenciar uma política de Estado de uma política de governo.” (Aith,2006:235)

Uma questão que está entrelaçada com esses três fatores principais é o da característica de continuidade que as políticas públicas de Estado possuem, ao contrário das políticas de governo, sendo uma dos principais problemas de implementação e de execução das políticas públicas em direitos humanos no Brasil, como veremos a seguir.

As políticas públicas em direitos humanos no Brasil surgem com o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) 1, fruto da 1ª Conferência Nacional de Direitos Humanos em 1996, no 1º governo de Fernando Henrique Cardoso, normatizado pelo Decreto nº 1.904/96, foi inserido como uma política pública de governo, focando-se nos direitos civis e políticos.

O PNDH 2 surge como revisão do 1º plano, na 7ª Conferência Nacional, em 2002, no 1º governo de Luís Inácio Lula da Silva, normatizado pelo Decreto nº 4.299/2002, que continua como política pública de governo, distinguindo-se do anterior, quanto a norma, pelo reconhecimento dos princípios de universalidade, indivisibilidade e interdependência, princípios internacionais definidos na Convenção de Viena em 1993. Como também pela inclusão dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

O PNDH 3 surge da 11ª Conferência Nacional, em dezembro de 2008, no 2º governo Lula, normatizado pelo Decreto nº 7.037/2009, alterado pelo Decreto nº 7.177/2010. Diferencia-se pela adoção do princípio da  transversalidade como estratégia de efetivação das políticas públicas em direitos humanos, contando com a assinatura, no Decreto, de 31 Ministros de Estado, que assumem o compromisso da transversalidade. Apresenta-se com 6 eixos divididos em 25 diretrizes, 82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas.

O Decreto que normatiza o PNDH-3 é omisso quanto à definição das políticas públicas serem de Estado ou de governo, porém em nota de esclarecimento, publicado no site da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH/PR, em 08 de janeiro de 2010, afirma:

3. A política de Direitos Humanos deve ser uma política de Estado, que respeite o pacto federativo e as competências dos diferentes Poderes da República. Por sua vez, a interação entre todas estas esferas garante a plena garantia dos Direitos Humanos no país.(Brasil:2010)


Uma simples nota de esclarecimento só pode ser considerada apenas uma sinalização de discurso do atual governo que não se reflete nas medidas concretas tomadas. Entre as críticas estão a revisão do PNDH 2 sem consulta aos atores sociais que colaboraram na 7ª Conferência, suprimindo 30 programas; a falta de continuidade da maioria dos programas ligados aos direitos econômicos, sociais e culturais , recém incluídos; ausência de processo de implementação e execução.

Com a aprovação do Plano Plurianual - PPA 2004/2007, no entanto, ocorreu uma nova revisão do PNDH, sem que fosse realizada qualquer consulta aos diversos atores envolvidos. O resultado foi a supressão de 30 programas voltados para a proteção dos direitos humanos. No PPA 2000/2003, havia 887 programas, número que foi reduzido para 57 no PPA 2004/2007. A maioria dos programas que estão sem continuidade é ligada aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – DESCs. (Inesc:2005:3)

Somente na área de educação foram 08 programas que sofreram descontinuidade, e quanto a ausência da implementação e execução, em agosto de 2005, dos 57 programas do PNDH 2, 19 tiveram menos de 10% de execução. A secretaria de Promoção da Igualdade Racial teve apenas, no mesmo período, 27,99% de execução orçamentária, enquanto a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres 21,04% e a então Subsecretaria Especial de Direitos Humanos 12,9%.

       A execução orçamentária não pode ser vista como um dado apenas numérico. Se compreendermos que as políticas públicas se interligam no objetivo de reduzir as necessidades sociais e prover direitos aos cidadãos; que os direitos humanos são interdependentes e indivisíveis; e que o orçamento é uma parte fundamental na estratégia de erradicação da desigualdade social, esse passa a ser uma peça fundamental para avançarmos na afirmação do Estado de Direito.
Nesse sentido, é importante considerar a interdependência entre as políticas públicas. Se uma criança não tem acesso a políticas públicas que garantam seus direitos, terá poucas chances, quando adulta, de ser beneficiada pelas políticas de emprego, trabalho e renda. (Ib:4)


            Logo, não só as políticas públicas de educação em direitos humanos, no 1º governo Lula, mas todas as políticas públicas do PNDH 2 esbarraram, na sua efetivação em: baixa previsão orçamentária, contingenciamento dos gastos e dificuldade de articulação com a sociedade civil organizada.

            Para compreendermos o elo entre a efetivação das políticas públicas para os direitos humanos e os princípios internacionais definidos na Convenção de Viena, precisamos defini-los.

       Firma-se, então a concepção contemporânea de direitos humanos, fundada no duplo pilar baseado na universalidade e indivisibilidade desses direitos. Diz-se universal "porque a condição de pessoa há de ser o requisito único para a titularidade de direitos, afastada qualquer outra condição"; e indivisível "porque os direitos civis e políticos hão de ser somados aos direitos sociais, econômicos e culturais, já que não há verdadeira liberdade sem igualdade e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade".(Mazzuoli.2001:6)

      
            Já o conceito de interdependência nasce da concepção de complementaridade orgânica das categorias de direitos humanos entre si, na busca de uma implementação mais eficaz das políticas públicas que promovam e protejam os direitos humanos.


entre os direitos humanos não pode haver antinomia, contrariamente ao entendimento de Bobbio , mas complementaridade. Assim, é preciso registrar que os “novos” direitos não substituem os demais, mas  os complementam, ampliando e enriquecendo o núcleo dos direitos humanos.(...)
      Isto revela que as propostas categorias de direitos humanos apresentam uma relação orgânica entre si, e que, logo, a emancipação da pessoa humana deve ser buscada através da implementação mais eficaz e uniforme não só das liberdades clássicas, mas dos direitos sociais, econômicos e de solidariedade como um todo único e indissolúvel, embora isso ainda seja negado e negligenciado por muitos Estados. (Delgado,2000:61)

Pela própria definição de universalidade, que tem a condição de pessoa como requisito único como titular de direito, tem-se que universalidade, indivisibilidade e interdependência são indissociáveis, formam um liame em torno do Ser Humano, e mais, para que esses princípios possam garantir efetivamente a proteção e a promoção dos diretos humanos, surge o princípio da transversalidade como modus operandi de implementação e execução das políticas públicas de Estado.

2. A transversalidade é uma premissa fundamental para a realização dos Direitos Humanos, concretizando os três princípios consagrados internacionalmente na Convenção de Viena para os Direitos Humanos (1993): universalidade, indivisibilidade e interdependência. Será impossível garantir a afirmação destes direitos se eles não forem incorporados às políticas públicas que visam promover a saúde, a educação, o desenvolvimento social, a agricultura, o meio ambiente, a segurança pública, e demais temas de responsabilidade do Estado brasileiro. Para atender a este objetivo, o PNDH-3 é assinado por 31 ministérios. (Brasil:2010)


O conceito de transversalidade nasceu como marco da articulação política de promoção de igualdade de gênero, na Suécia, nos anos 90 e internalizou-se na 4ª Conferência da Mulher da ONU em 1995. (Menicucci:2006) Influenciando as novas arquiteturas administrativas, a gestão e a concepção de políticas públicas.

       Este conceito tem como função ampliar a capacidade de atuação governamental com relação a alguns temas considerados prioritários no atual contexto social, mas para os quais a organização clássica de gestão e de concepção de políticas públicas não é adequada ou não os identifica e contempla de forma satisfatória. (Campos,2010:8)

Sem a aplicação do princípio da transversalidade a gestão das políticas públicas, sejam de governo ou de Estado, esbarram na ineficácia das mazelas já conhecidas das máquinas públicas municipais, estaduais e federais.Principalmente  nas fases de implementação e de execução, pois são fases posteriores ao discurso político, seja de campanha política ou de início de governos. Quando, raramente, alcançam o status de políticas públicas de Estado, ficam na inércia do contingenciamento de gastos ou em limites orçamentários.

       a transversalidade é uma proposta por meio da qual se busca dar respostas organizativas à necessidade de incorporar temas, visões, enfoques, públicos, problemas, objetivos, etc. às tarefas da organização que não se encaixam em apenas uma das estruturas organizativas verticais. (Menicucci:2006)

            A transversalidade pressupõe vontade política em estabelecer diálogo dentro das forças políticas que compõe o próprio governo e com a sociedade civil organizada que pressiona politicamente por essas demandas, na busca de criar uma sinergia de atuação que tornem eficazes as políticas públicas.


Como chama atenção Serra (2004), a transversalidade não se confunde com a coordenação lateral ou interdepartamental nem com a integração organizativa ordinária; não pressupõe novos pontos de vista nem novas linhas de objetivos dissociados dos objetivos setoriais dos órgãos verticais em que se estrutura a organização. Diferentemente, significa introduzir linhas de trabalho não estabelecidas verticalmente; construir uma proposta que deve impregnar e condicionar as outras áreas de atuação, ou seja: tenta-se que todas as estruturas verticais compartam sinergicamente a obtenção de um objetivo comum que não é específico de cada uma delas em particular. (Ib:2006)

           
            Concluo que a Transversalidade é um princípio de fundamental importância na implementação e execução das políticas públicas em direitos humanos, que tornar-se também uma premissa fundamental na internalização dos princípios internacionais de universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, e esse conjunto de princípios encontra guarida mais adequada como políticas públicas de Estado, pelo menos na longa fase, presume-se, de consolidação desses direitos e na estruturação de instituições do Estado que atuem na proteção e  na promoção dos direitos humanos, nos três poderes e nos níveis de governo da federação, e que podem ser complementadas por políticas públicas de governo, desde que a partir dessa estrutura de Estado criada, que possam evitar a descontinuidade política, administrativa, orçamentária e demais empecilhos que atravancam o as políticas públicas dos direitos humanos no país.

  
Referências:

1. ABRAMOVAY, Miriam (Org.). Gangues, gênero e juventude: donas de rocha e sujeitos cabulosos. Secretaria de Direitos Humanos.Brasília. 2010. 314p. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/livro%20final.pdf .  Acesso em: 18 junho.2010.
2. AITH, Fernando. Políticas Públicas de Estado e de Governo: instrumentos de consolidação do Estado Democrático de Direito e de promoção e proteção dos direitos humanos. In:BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico.  São Paulo: Saraiva, 2006, p.217-245.
3. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro. Elsevier, 2004. P.212.
4. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília. Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. 76 p.
_________. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Nota de Esclarecimento - PNDH 3. Brasília, 08 janeiro.2010. Disponível em : http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/noticias/ultimas_noticias/MySQLNoticia.2010-01-08.2331 . Acesso em 18 junho2010.
5. CAMPOS, Luiz Cláudio. Políticas Públicas e Temas Transversais. Fundação João Mangabeira. Brasília. 2010. 91p. Disponível em: http://www.tvjoaomangabeira.com.br/home/cursos/gestao_publica/textos/Modulo_II_aula_07/Texto_Refer_Modulo_II_Aula-07.doc . Acesso em 18 junho2010.
6. CONAE, Conferência Nacional de Educação. Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação. Brasília. MEC, 2010. p.168. Disponível em : http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documento_final.pdf . Acesso em 10 junho 2010.


7. DELGADO,Ana Paula Teixeira. As Categorias de Direitos Humanos: Indivisibilidade e Interdependência. Revista CADE / Faculdade Moraes Junior – Mackenzie Rio. v1.n.2 jul-dez. p.59-68. 2000. Rio de Janeiro.
7. FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas – PPP, Revista  do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. nº 21. Junho-2000. Brasília, IPEA. p.211-259. Disponível em: http://campinas.estudiapin.com/arquivos/txt-Frey.pdf . Acesso em 10 junho 2010.
8. INESC. A política de direitos humanos no governo Lula. Nota Técnica nº 99. Agosto 2005. Instituto de Estudos Socioeconômicos. Brasília. Disponível em:  http://www.dhnet.org.br/dados/pp/a_pdfdht/politica_dh_governo_lula.pdf  Acesso em 20 maio 2010.
9. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, cidadania e educação. Uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2074>. Acesso em: 19 jun. 2010.
10. MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Gestão de Políticas Públicas: Estratégias para Construção de uma Agenda. IX Congreso Nacional de Recreación Coldeportes / FUNLIBRE. Bogotá: 2006. Disponível em www.redcreacion.org/documentos/congreso9/TMenicucci.html.  Acesso em 18 junho2010.
11. SERRA, Albert. La gestión transversal: expectativas y resultados. IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, 2 – 5 Nov. 2004.